sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vende-se uma alma. Pode ser ao diabo

(Daniela Lepinsk Romio, jornalista enfurecida com a cara-de-pau de algumas pessoas)
A jovem entra no restaurante com um grupo de pessoas mais velhas – pais e tios, aparentemente. É bonita, animada, e logo comenta que está na correria para entregar a monografia da faculdade. O tio – exemplo de vida! – pergunta: não dá para comprar, não? Quanto custa? A moça responde: R$ 500. O tio joga o problema para o pai dela, que não diz nem sim nem não.
Eles conversam em voz alta. Não se preocupam em falar de forma discreta, não se acanham diante de quem já estava lá primeiro. O homem sugere a fraude com toda naturalidade. A moça conta de vários colegas que compraram. Conta um pouco sobre o curso, que é na área de saúde – ela vai cuidar da saúde de pessoas quando se formar.
Em favor dela, é preciso dizer que não pareceu muito empenhada em comprar a monografia, não. Na verdade, até descreveu a pesquisa, que estava adiantada. Mas ninguém na mesa – ninguém – olhou para o tiozão e disse: imagina, monografia não se compra.
Eu gostaria de ter ouvido essa frase. Gostaria de, pelo menos, tê-lo visto rir da inocência dos demais. Gostaria de ter visto alguma atitude do pai em defesa da honra da filha. Mas eu sou uma tonta, antiquada, babaca, que sempre fez os próprios trabalhos e escreveu os próprios textos. Meu conhecimento é construído, não chupado. Perfeita? Longe, muito longe disso. Mas a régua que nivela as atitudes que me permitem dormir em paz fica meio alta.
Tem gente que dorme em paz sem régua nenhuma.
O difícil é quando justamente esses vestem o jaleco branco para cuidar da nossa saúde – minha, sua, dos meus filhos, dos meus pais.
Difícil é quando esse povo sem régua vence as licitações para construir estradas, trincheiras, viadutos, comprar medicamentos, fornecer merenda escolar. Quando esse povo sem régua passa no exame da OAB – e depois vai galgando os degraus até virar desembargador, ministro.
Quando esse povo sem régua apresenta um programa de televisão picareta que finge defender os interesses da população – mas na verdade só quer encher o bolso e se candidatar a vereador, para começar uma vida política.
Quando esse povo sem régua vai subindo, se aliando ao diabo se preciso for, até chegar ao senado.
Todo mundo dorme em paz... não importa os pesadelos que causam a outros.
Exagero? Não. Quem compra monografia compra o guarda, compra sentença, compra voto.
A cada compra, vende uma parte de si. Primeiro vende a vergonha. Depois, vende a dignidade. Depois, a humanidade. O senso de honradez. A capacidade de sequer enxergar o outro. A responsabilidade. Não importa o comprador. É quem der mais. Seu bolso é o limite.

Nenhum comentário:

Postar um comentário