quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Elvis Presley, cadê você?

Elvis lá em casa não era Presley. Era simplesmente “o Elvis”, uma pessoa da família. Eu cheguei a confundi-lo com meu pai, em uma capa de disco, quando tinha uns quatro anos. Elvis morreu no mesmo ano em que eu nasci. Mesmo assim, sempre foi tão parte da minha vida como se ainda estivesse vivo. Claro que a paixão foi herdada: a pessoa mais doente por Elvis que conheço é minha mãe. E contagiou as quatro filhas.

Elvis era genial, sensacional. A voz, fora do comum, potente, extensa, afinada e com aquele timbre que só os negros costumam ter. A atitude ousada, que lhe rendeu preconceito tanto da elite quanto dos negros na década de 1950, por cometer o sacrilégio de misturar o country americano ao blues. Que maravilha de sacrilégio.
Quem nunca ouviu Hound Dog no último volume ao volante não se divertiu dirigindo. E os primeiros acordes de Suspicious Minds, inconfundíveis? A fantástica Jailhouse Rock e a monumental It’s now or never fazem parte do meu rol de preferidas. Mas também sou apaixonada por In the ghetto, um protesto que pode soar simplista hoje em dia, mas continua tocante.
E o que Elvis fez com a já maravilhosa Hey Jude, de Paul MacCartney, é algo para se tratar à parte. Hey Jude na voz de Elvis é grandiosa, sentida, bela. Assim como é grandiosa a interpretação dele para Bridge over troubled water, obra-prima de Paul Simon e Art Garfunkel. Chavão, mas eu adoro.
A verdade é que Elvis era bom com as baladas mais sentimentais e melosas – e melhor ainda com o rock furioso. Ele se divertia cantando, dançando e tocando. E era lindo, tão absurdamente lindo e carismático como um cara pode ser. Ele usava capa, como um super herói. Tenho saudades até dos filminhos bobos que ele estrelou e que me embalaram a infância nas sessões da tarde.
Elvis foi mais uma vítima de overdose de medicamentos, de gente aproveitadora que se aproxima de grandes artistas e não se importa que a saúde deles vá pro buraco, desde que a grana continue entrando. Morreu jovem, há exatos 35 anos, deixando tristeza, fãs ensandecidos e um desafio que continua em aberto: que alguém o supere. Vai ser difícil, cara.
Não sei para onde ele foi. Se existe um céu, sua voz garantiu passagem expressa pra lá. Não sei para onde as pessoas vão quando morrem. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o lugar para onde Elvis foi agora é muito mais feliz. Continue em paz, onde quer que esteja.
Daniela Lepinsk Romio, cronista que sente uma falta danada de coisas que nem viveu. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

domingo, 5 de agosto de 2012

Sobre dor, afeto e um peixinho vermelho

O peixe apareceu sem ser convidado. Veio em um aquário redondinho, com pedras azuis no fundo. Ter um peixe fazia parte de um projeto da escola do meu filho, 5 anos, bochechas rosadas e a cara mais feliz do mundo, cheio de excitação com a propriedade, finalmente, de um bicho vivo. Criança de apartamento é isso mesmo. Sabia de cor todas as instruções: três bolinhas de comida uma vez por dia, trocar a água semanalmente, não colocar água da torneira sem deixar descansar antes para baixar o cloro, não lavar o aquário com sabão.



O peixe ganhou um nome: Tico. Na verdade, não gostei muito. Para mim, peixe tem que ter nome de gente e com pelo menos três sílabas. Ulisses, Homero, Godofredo, Dagoberto. Mas tudo bem: o peixe não era meu, era do meu filho.

O fato é que eu fui desenvolvendo uma certa relação de afetividade com o peixinho vermelho. Achava muito estranho passar ao lado do aquário, sabendo que um ser vivo estava ali dentro, e não cumprimentar. Pois é, comecei a falar com o peixe. E acho que ele passou a gostar de mim também, pois normalmente a minha presença estava diretamente relacionada às bolinhas de ração. Que rapidamente aumentaram - duas porções diárias de cinco bolinhas. Ninguém merece comer uma só vez por dia.

O peixe nunca demonstrou muito brilhantismo. Às vezes, demorava séculos para encontrar as bolinhas na superfície. Nas trocas de água semanais, nunca aprendeu que a peneirinha não ia fazer nenhum mal - dava voltas e voltas no aquário, fugindo de mim e ouvindo meus palavrões. Eu cheguei à conclusão de que ele não era muito normal.

Um ano depois de chegar, o peixe ficou doente. Um dos olhos inchou. Comprei três tipos diferentes de remédio, que custaram mais que o preço de um peixe novo. Tratei durante quase dez dias, fracionando dosagens e pingando coisas estranhas na água - que, ora ficava azul, ora amarela. Ele foi ficando quietinho, não queria mais comer, nadava com lentidão. E morreu. Depois de uma tarde mais sofrida, ficou lá parado, no fundo do aquário, de lado. Eu chorei. Fiquei triste, esperando que ele soubesse que eu não falava a sério quando dizia que ele não era normal.

Meu filho, de férias na casa da avó, demorou mais para ficar sabendo. O que não reduziu o tamanho do desastre, pois tive um momento de cretinice e contei para ele, por telefone. Ele parecia tão adulto, achei que fosse mais fácil ficar sabendo logo. Mas o moleque ficou arrasado, chorou e soluçou um tempão. Disse que eu deveria ter deixado o peixe morto no aquário, para que ele pensasse que o amiguinho estava só dormindo.

Na verdade, quase todo mundo que conheço apoiava minha primeira idéia: comprar um peixe novo, da mesma cor, substituir o Tico e não deixar que meu filho soubesse. Ponto final. Mas eu não consegui. O peixe era um projeto dele, mas se tornou uma partezinha do meu dia-a-dia, e a gente é responsável pelo que cativa etc, etc. Não era um peixe qualquer. Era um peixe que tinha cativado gente.

Daniela Lepinsk Romio, cronista, mãe do Caio e da Alice - e da Cacau também, uma gata (porque esse negócio de aquário é muito frustrante).

Sou manteiga derretida mesmo, e daí?

Sim, eu sou do tipo que chora em abertura de Jogos Olímpicos. Choro na final de vôlei quando o Brasil está lá. Choro quando um ginasta brasileiro cai ou tropeça. Não fico dizendo que são uns perdedores, nem que se entregaram. São tão poucos os que chegam lá, como chamar essa gente de perdedora?
Mas choro pelo contraste também - de um lado, a beleza dos atletas em competição pesada, mas respeitosa. De outro, gente sendo morta na Síria. Gente sendo morta no cinema quando só queria ver o Batman. Um pai que mata a mulher e o filhinho a facadas e se joga da ponte depois - sem nem conseguir morrer. A moça violentada por assaltantes na presença do marido, tão perto do Governo Federal. A menina violentada e jogada no mato, amordaçada e amarrada.
É tão estranho parar e assistir a um evento como esses depois de uma semana cheia de notícias tão brutas. Mas é alentador também, poder chorar um pouco por uma coisa bonita, como a cerimônia de acendimento da pira olímpica. Ouvir de novo uma canção tão delicada, que é Hey Jude, escrita por um cara bacana para consolar o filho pequeno do amigo, triste com a separação dos pais. Uma música de acalanto para uma criança. Que ainda serve de consolo para tantos, tantos anos depois...
Depois de tanta loucura e brutalidade, algo assim reacende um pouco a crença da gente no ser humano. Os bons são maioria, ainda são.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista chorona. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br