terça-feira, 1 de maio de 2012

Se acaso eu morrer um dia

Daniela Lepinsk Romio, jornalista que sofre de claustrofobia

Pode ser que um dia eu morra. Não estou certa disso – como todo ser humano, tendo a me imaginar eterna. Penso em como será o mundo daqui a cinquenta anos e imagino que estarei nele. É possível que sim. Penso em cem anos adiante e me imagino participando das novidades. Penso nos netos dos meus netos. E tomo um susto tremendo toda vez que percebo que não conhecerei nenhum neto de neto meu.

Mas o susto logo passa, substituído pela sensação reconfortante de que, talvez, afinal, eu não morra. E se eu for eterna? E se o tempo se esquecer de mim, perdida em minha insignificância? Se eu ficar bem quietinha, não aparecer muito, talvez ele não se lembre de que eu existo e me deixe ser eterna em paz.

Agora, se acaso eu morrer um dia, deixo algumas instruções para meus entes queridos, já que deverão ser mais eternos que eu:

Instrução número 1: tudo bem se ficarem tristes no começo. Isso é normal e passa. Mas procurem se lembrar que, embora meio ranzinza, eu sempre fui alegre. E sempre me fez mal fazer alguém sofrer. Então, galera, vamos encarar a coisa toda como um processo orgânico e tudo ficará bem.

Instrução número 2: Não. Me. Enterrem. Em nenhuma hipótese. Tenho pânico de lugares fechados e apertados. Tenho medo do escuro, porque não sei o que tem lá. Acho esquisito enterrar as pessoas. Por favor, me cremem. Se a cremação oficial não for possível, façam uma pira bem bacana e mandem ver um lual em volta. Não tenho nenhuma exigência sobre o que fazer com as cinzas: podem jogar em qualquer vento, que vai ser bom. Melhor voar no vento que ficar presa embaixo da terra.

Instrução número 3: Antes da cremação (óbvio), doem tudo o que ainda estiver em condições de uso. Além da questão humana, ter parte da gente vivendo em outras pessoas não deixa de ser uma forma de eternidade pequenininha. Eu não fumo, bebo pouco, como as coisas certas, faço meus check-ups regularmente. Cuido direitinho da máquina, então é bem possível que as peças estejam em bom estado.

Instrução número 4: Façam uma festa. Adoro meus aniversários, adoro festa de Natal, adoro festa. Então, celebrem minha vida e façam uma festa. É sério!!! Com música boa. Não façam missa de sétimo dia, nem de 30 dias. Façamhappy hour de sétimo dia, sessão de cinema aos 30 dias. Fico muito mais feliz com happy hour e cinema do que com missa de sétimo dia.

Instrução número 5: Não fiquem pedindo aos meus filhos (ou aos meus netos) que parem de chorar. Não digam que eles têm que ser fortes. Deixem que chorem, estejam por perto, lembrem a eles das instruções para ajudar a passar logo. Depois, garantam que participem de todas as festividades.

Instrução número 6: Um acontecimento como a minha morte só rola uma vez na vida. Aproveitem ao máximo, se esbaldem. E depois me deixem voar feliz, que vou procurar outras formas de manter minha eternidade por aí.

(Texto de 2011, originalmente publicado no www.jornalirismo.com.br, um dos meus sites favoritos).

Nenhum comentário:

Postar um comentário