sexta-feira, 7 de junho de 2013

Leminski seu cachorro louco, que bom que você existiu!

(Por Daniela Lepinsk Romio, jornalista que queria escrever como Leminski, mas é muito bundona para tanta ousadia. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br)

Paulo Leminski morreu adolescente. Aos 44 anos, em 7 de junho de 1989. Não deu tempo de largar a vida louca nem de terminar a livre-docência, o que ele só faria aos 70... mas a cirrose o pegou primeiro.

Quando eu tiver setenta anos
quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta adolescência
vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência
vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito
vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito
então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência 

Eu tinha 12 anos quando Leminski morreu. Estava começando a conhecer seus escritos. Com os anos, descobri que não sou muito da leitura de poemas. Falta-me paciência, sou da prosa. Bandeira, Neruda, Cecília, Drummond... gosto muito, mas leio pouco.

Agora, Leminski eu posso ler a qualquer hora. A despretensão do texto dele fala direto comigo. Brinco que somos parentes. Meu Lepinsk não tem o último ‘i’ por erro de cartório – quem garante que não houve confusão também entre o ‘p’ e o ‘m’? Quem?

Razão de ser
Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

O texto do Leminski é gostoso. Transborda significado, mas o formato é simples como conversa de amigo. Há quem goste do rebuscamento de palavras – esses não vão curtir o Leminski. Eu não. O poder está no texto limpo, simples, direto e genial.



Ele não foi morto a pau e pedra. Nunca chegou aos 70 anos. Mesmo assim, se não viu tudo em sã consciência, meus agradecimentos à insana inconsciência, que permitiu ao Leminski trazer muito mais graça à nossa vida. Viva o cachorro louco!

O pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover 
em nosso piquenique.


Dor elegante
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Bem no fundo 
No fundo, no fundo, 
bem lá no fundo, 
a gente gostaria 
de ver nossos problemas 
resolvidos por decreto 

a partir desta data, 
aquela mágoa sem remédio 
é considerada nula 
e sobre ela — silêncio perpétuo 

extinto por lei todo o remorso, 
maldito seja que olhas pra trás, 
lá pra trás não há nada, 
e nada mais 

mas problemas não se resolvem, 
problemas têm família grande, 
e aos domingos 
saem todos a passear 
o problema, sua senhora 
e outros pequenos probleminhas.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Todas as idades em mim

Vivem juntas na minha cabeça uma menina de 12 anos e uma senhora de 60. Às vezes a menina assume o controle. Dança, rodopia, canta desafinado. Faz piadas na hora errada, ri quando não deve rir. Tem ideias absurdas e dá soluções criativas para um monte de problemas. Surta quando vê arco-íris, lua cheia ou bicho de nuvem. Vê o mundo como brinquedo, um cubo mágico. Só que, no cubo mágico dela, não é preciso deixar cada cor de um lado. A graça é justamente misturar as cores cada vez mais, em combinações diferentes, da forma que ficar mais bonito.
Às vezes quem comanda é a senhora... aí ela ouve jazz e MPB, lê livros de adulto e deixa de lado as trilogias de mundos fantásticos. Guarda dinheiro na poupança. Acorda cedo, não usa a soneca do despertador, trabalha duro. É intolerante com preconceitos, com discriminação. Lava a louça, arruma o guarda-roupa. Desconfia de quem desperdiça o tempo e a vida, pois tempo é algo que valoriza muito. É ponderada, não fala palavrão, ouve sempre todos os lados e busca soluções factíveis para seus problemas.

Quando a menina assume as rédeas de novo, gasta parte da poupança em sapatos e maquiagens maravilhosas. Corta o cabelo sozinha. Compra um par de botas novas e um anel enorme. Lê livros de criança e se entope de chocolate, brigadeiro e Doritos. Vai à piscina de noite. Toma sol sem protetor e fica ardida. Deixa a gata dormir na cama dela. Deixa a louça na pia. Passa o dia de pijama e pinta as unhas de azul.

O que irrita bastante a senhora. Ela tem muito trabalho indo ao salão para corrigir as barbaridades que a menina fez no cabelo. Tira o azul das unhas e passa nude, muito elegante. Toma suco verde sem açúcar para livrar o corpo das toxinas de tanto Doritos e chocolate. Usa muito protetor solar e mantém os cabelos hidratados e escovados. Mas aprova as ideias que a menina teve para solucionar aquele problema no trabalho. É que a menina é danada de esperta.

Quando ela volta, abandona a escova e usa a cabeleira toda arrepiada de novo. Ouve rock muito alto, mas se emociona com Billie Holiday. Escreve textos sem nexo, joga fora e escreve de novo. A senhora corrige alguns textos, edita, dá sugestões. A menina aceita algumas, outras não. A senhora sorri, mais tolerante com aquela presença barulhenta. A menina se sente tão bem depois de tanto suco verde que vai lá e detona mais uns Doritos. A senhora não se importa.

Leem juntas um livro. As duas se emocionam em passagens diferentes e, às vezes, na mesma passagem... A senhora reza, mesmo sem saber direito no que acredita. A menina, não. Mas ela dança sozinha na sala, no escuro, chorando, e esse é o jeito dela de rezar. A menina tem medos que a senhora não tem mais. Mas também tem coragens que a senhora nunca teria sozinha. Às vezes ela precisa de colo, como toda menina, e a senhora está sempre ali para essas horas também.


Elas têm brigado menos ultimamente. A menina anda um pouco mais doce, enquanto a senhora ficou mais flexível. Bem devagar, vão aprendendo a conviver e a se respeitar. Mas a menina nunca vai crescer e a senhora já nasceu velha. Por isso, o conflito estará sempre lá, para não me deixar cair no comodismo de ter ‘uma certa idade’. Tenho todas, dos 12 aos 60 e mais outras. Mil vezes essa inquietude na mente do que uma vida enquadrada em convenções que nunca vão me comportar.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista que faz 36 anos (60+12=72 e 72/2=36, bem na média!) dia 04 de março e está feliz da vida porque adora fazer aniversário.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Cuba, um blog e gente que dá vergonha

Sobre Cuba, pouco sei. Não confio em nenhuma notícia nem estatística oficial de um país onde não existe liberdade de expressão (não, não comparem com o Brasil!) e que fazia de seus cidadãos prisioneiros até outro dia.

Sobre Yoani Sánchez, também sei pouco, embora acompanhe sua história há alguns anos. Ela tem o meu apoio só por se insurgir, por falar, por expor faces da ilha cuja existência os fanáticos teimam em não reconhecer.

Mas estou cheia de gente grossa, que fica dando munição pras Vejas da vida.

Estou cheia de gente que enche a boca para defender Cuba sem ter, nunquinha, pisado na ilha. Que procura justificar os desmandos da ditadura de Fidel - mas sem abrir mão de celular, computador, internet, casa própria, cozinha planejada, carro bacaninha. Falo de Fidel porque, bem ou mal, Raul Castro está permitindo que se acendam lanterninhas dentro do túnel.

Estou com vergonha dessa gente que hostiliza sem dar chance ao diálogo.

Aos nostálgicos por Cuba, tenho uma sugestão: se lá é tão bom, se muda, cara. Faz a mala e vai para a ilha. Aqui, no Brasil, você será bem-vindo de volta, se se arrepender.

Mas pare com esse papel cretino de agredir a blogueira como se ela fosse o Renan Calheiros. É rude, é ridículo, é vexatório.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br