quinta-feira, 3 de maio de 2012

Multitarefa

O celular toca na sexta-feira depois do expediente, quando estou chegando à escola do meu filho. A ligação é de uma TV. “Sobre o apagão nacional de hoje: atingiu Mato Grosso?”. Cara, eu não tinha idéia. Como ninguém tinha me ligado da área técnica da Cemat, achava que estava tudo bem. Desço do carro para chamar meu filho enquanto ligo para o responsável na Cemat. Ele já me pergunta: “você não leu meu e-mail?”. Não, eu não tinha lido o e-mail. Fiquei trancada em reunião até mais tarde e saí sem ver os últimos e-mails do dia. Enquanto o Caio (9) entra no carro, falando sobre o aniversário do amigo que seria no dia seguinte, vou anotando os dados sobre o que aconteceu.

Realmente não era nada grave para nós: foi uma complicação no sudeste que afetou o fornecimento de energia em parte do país. Mas em Mato Grosso, o efeito foi muito pequeno: só quatro minutos, graças a Deus. Alguns bairros na capital, poucos municípios do interior. Mas minha noite de sexta mal começava… Por sorte, minha irmã ligou e se ofereceu para pegar – na outra escola – a minha pequenininha, Alice (1 ano e meio). Então daria tempo de comprar o presente do amigo do Caio.

No caminho do shopping, umas três paradas para usar o celular. Decidimos o presente antes de chegar lá, enquanto eu explicava a vários repórteres diferentes o que é carga, porque se mede em megawatts, o que é esquema de alívio de carga, porque motivo isso é bom para o país inteiro e não, fique tranqüilo, isso não tem nada a ver com capacidade de suprimento. Sim, Caio, eu vi que aquele era um BMW. Foi menos de 4% da carga do Estado, menos de 4% dos consumidores, uma interrupção de quatro minutos, às 15h44. Se jogo do bicho não fosse contravenção, dava para jogar no quatro. Que bicho é o quatro? Não faço idéia. Vi o Mini Cooper também. Não, o Camaro eu não vi. Era um Camaro? Ai que sede.

Dentro da livraria, às voltas com pegar e pagar o Diário de um Banana, mais um jornalista liga e a conversa se repete. Já no piloto automático. Caio pede uma Quatro Rodas. Autorizo e pago, também no piloto automático. Ah, moleque, se deu bem. Manobrando para sair do estacionamento, outro colega liga, para tirar mais dúvidas. Já estou me achando quase uma engenheira eletricista a esta altura. Poderia gravar entrevista para rádio ou TV e nem iria gaguejar, de tanto que já repeti as mesmas informações. Putz, dava meu mindinho esquerdo por uma coca gelada. Não, não dava, Caio, é só força de expressão.

Chego à casa da minha irmã, para buscar a bebê, depois de uma hora e meia de andação e telefonemas, com a cabeça vazia e completamente esgotada. Mas com uma sensação impagável de missão cumprida. Não bati o carro, consegui atender todo mundo que me procurou, não fiquei devendo informação a ninguém e acho que os colegas das redações também ficaram satisfeitos. Um deles até elogiou! “Que assessoria, hein?”, rsrsrs. Adorei. Meu filho já tem o presente do amigo, Alice está tranqüila com os primos. Uma sexta-feira típica de uma semana típica. Volto para casa sorridente. Nem me importo que ninguém mais perceba a razão do orgulho estampado na minha cara – ninguém vê, mas o peso inerte que arrasto atrás de mim é apenas o meu leão do dia, que eu mordi na jugular.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista, gerente de Comunicação da Cemat, mãe do Caio, mãe da Alice. Funciona em 220 V e não sabe se leão tem jugular. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br. Texto de setembro de 2011, publicado no Pauta Quente (www.blogpautaquente.com.br)

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