quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Eu sou bicho, sou força da natureza

Então meu filho nasceu. Enquanto alguém me suturava, ele foi levado para outra sala. Demorou e demorou mais um pouco. E de repente a médica trouxe o pacotinho, aquele rostinho bonito, dormindo.

Abre parênteses: tenho fotos para provar que Caio nasceu lindo. Não tinha cara de joelho. Nasceu um pouco antes do previsto, então não ficou encaixado e apertado entre meus ossos pélvicos, por isso a carinha sem inchaço, a cabeça redondinha, uma criança de filme. Fecha parênteses.  

A médica trouxe o Caio para perto do meu rosto. E aí eu me encostei e cheirei a cabeça dele...  
E o mundo parou. Ninguém tinha me avisado do impacto que é o cheiro do filho da gente. Não dá para descrever, mas é uma sensação completamente animal. Eu ainda visualizo o caminho que aquele cheiro quente e meio doce percorreu das minhas narinas até o meu cérebro e pelo meu corpo inteiro, ficando gravado para sempre. Reconheceria o cheiro do meu bebê em qualquer lugar do mundo.  

Naqueles segundos eu me descobri bicho. Animal. Irracional. Forte. Poderosa. Brava. Só instinto. E foi muito bom! Ali eu sabia que amaria aquela criaturazinha acima de qualquer outra. Que cuidaria. Defenderia. Educaria. Mataria em sua defesa. Morreria em sua defesa.  

Antes que você torça o nariz: ele não estava com cheiro de sangue, nem de placenta, nem dos líquidos todos que envolvem um recém-nascido. Meu filho nasceu com agenesia da mão esquerda e, por isso, foi levado às pressas antes que eu o visse. Foi examinado primeiro e,quando chegou ao meu colo, já estava todo limpinho. Também não era cheiro de sabonete, porque ele não foi lavado com sabonete.   

Era simplesmente o cheiro dele, que eu busquei depois durante anos a cada vez que ele passava perto de mim. A cada vez que eu enterrava meu nariz nos cachinhos castanhos do meu leão, sempre identificava o mesmo cheiro, por baixo de qualquer outra coisa: sabonete, shampoo, creminho, bala, chocolate, terra, leite, ou outros odores menos agradáveis.


Aí nasceu Alice. E foi igualzinho. Só que eu já sabia. Estava preparada. Pude antecipar, apreciar a espera e esvaziar bem os pulmões antes de cheirar pela primeira vez a cabecinha loira, o rosto amassadinho e inchado da minha passarinha. Não me canso de cheirar aquela menina querida, o tempo todo que passo com ela.  

O mais curioso é que o cheiro do Caio mudou completamente, agora que ele é um adolescente. Claro que ainda o abraço, e muito, mesmo que esteja saindo da Educação Física. Mas prefiro quando sai do banho e se borrifa com os boticários da vida... Sou uma força da natureza – e a natureza sabe das coisas. Ele agora está se transformando em um homem – o cheiro de filhote não existe mais. Ele não precisa mais de tanta proteção, de tanto apoio para tudo.  

Mas eu ainda morreria – e, sem dúvida nenhuma, mataria – por ele. Sou um bicho.  

Daniela Lepinsk Romio é cronista, jornalista e animal. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Passeio

Hoje saímos
com nossas crianças
para celebrar
o novo livro
do Ivens.

E tinha cheiro de pipoca
e pipoca
e a arca de Toquinho e Vinícius tocando
e picolé
e guaraná cuiabano
e pirulito
e bala.

E o Caio sorriu
e o Lorenzo chupou pirulito
e a Dominique se portou feito moça.

E a Alice se derreteu no picolé
até ninguém saber mais
onde acabava o picolé
e começava a menina
pintada de suco vermelho e roxo.
E feliz.

E tinha a loba do livro
espreitando seus filhotes
como nós, as lobas bobas
de olhos correndo em volta
tentando sempre abraçá-los
protegê-los
do lado feio e malvado
do mundo.

E desejando que a vida
fosse poesia e leveza
como nos livros do Ivens.

(Para meu amigo Ivens Cuiabano Scaff, que escreve sempre tão bonito para as crianças e trouxe delicadeza a nossas vidas, nesses dias em que Cuiabá anda tão triste e sem consolo. E já conseguiu que o touro azul venha comer sal na mão dele também!)


Daniela Lepinsk Romio, jornalista e cronista. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Voto de protesto é a pootahqueupareew!

Negão do Semáforo é vereador recém-eleito em Sinop. Um dos mais votados. Nada contra Negão do Semáforo – mas ele próprio afirma que não tem a menor ideia das funções que vai desempenhar na Câmara dos Vereadores. Confia na iluminação divina para orientá-lo.

Sinop é uma cidade bonita. Há muitos anos se intitula a ‘capital do nortão’, em Mato Grosso. Colonizada por sulistas, planejada, agradável – não é o tipo de cidade com problemas de autoestima. Nunca conheceu uma cidade com problema de autoestima? Sorte sua.

Ouvi a entrevista com Negão do Semáforo pelo rádio, hoje de manhã. Fiquei com vergonha primeiro, depois triste, depois com raiva e, por fim, tudo isso junto. Porque, pior do que a fala confusa do próprio vereador, que disse ser ele mesmo, para sempre, se Deus quiser, foi o aval de uma socióloga para o tal ‘voto de protesto’.

A socióloga ouvida pela reportagem reconhece como válido votar nulo, em branco ou em um palhaço Tiririca, como forma de protestar. Aí eu me pergunto: para que serve uma afirmação como essa mesmo? Para deixar cheio de razão o imbecil que fez questão de nomear como seu representante alguém tão despreparado? Se é o próprio eleitor o mais prejudicado quando elege um palhaço, qual o sentido do tal protesto? Não falo do voto em branco ou nulo. Esses, pelo menos, não elegem ninguém.

Ah, mas há vários outros despreparados sendo eleitos... Sim, há. A diferença é que, quem votou por que achou que o candidato merecia, votou com um mínimo de consciência, mesmo que o candidato seja um canalha. Agora, votar para ‘protestar’ em alguém que você já sabe não ter nenhuma condição de fazer parte do Legislativo é tacanhice, imbecilidade, irresponsabilidade, atitude de adolescente birrento fazendo manha e querendo fugir de casa.

Sabe aquela gente que não quer nem falar sobre política, porque voto não devia ser obrigatório, porque nenhum candidato presta, porque eu queria sorvete de morango e meu pai só me comprava de limão, porque na Venezuela é que é bom? 'Veja só Hugo Chàvez reeleito com votação maciça e sem voto obrigatório'! Sabe essa turma? Putz, vai morar na Venezuela, se lá é tão bom. Abstenha-se de votar e pague a multa, vote nulo, vote em branco! Mas desperdiçar uma vaga no Legislativo que poderia – vai saber – ser de um cara pelo menos razoável, eu não respeito, eu não aceito, eu repudio.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista e não briga por política, mas perde a linha com gente sem noção. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

sábado, 15 de setembro de 2012

Fiz duas cesáreas. E o mundo não acabou.

A próxima pessoa que vier me dizer que o parto normal aumenta o vínculo da mãe com o bebê vai ter que me explicar uma coisa: como pode ser que tantos bebês achados no lixo, em vasos sanitários, enterrados em quintais, abandonados em caixa de sapato, tenham nascido de parto normal? Muitas vezes, em casa? E como explicar o vínculo de quem adota, sem nunca ter parido? Desculpem-me as mais radicais, mas não é o buraco por onde meus filhos saíram que determina o vínculo que tenho com eles. Não dá para generalizar.

Antes de jogar a primeira pedra, espere: sou super favorável ao parto normal, natural, humanizado. Sou mesmo. Minha mãe teve três - e uma única cesariana. Na cesariana, sofreu mais que nos três primeiros partos somados. Mesmo assim, a filha que nasceu de cesárea tem o mesmo nível de neuroses das outras, que nascemos de parto normal. Nenhum trauma ou psicose fora do comum. Já minha outra irmã teve dois filhos, cada um pesando quatro quilos, os dois de parto normal. Normal meeeeesmo, daquele em que tudo evolui certinho, tem dilatação, tem contração, rompe bolsa, o bebê está encaixado, tudo em poucas horas, nota 10. E nem teve doula.



Acho o máximo. Porém, às vezes me incomoda o nível do debate sobre o tema, a mudança de foco do sistema de saúde para a mãe. Gente que olha com ar de superioridade porque você caiu na conversa do médico e desistiu. “Duas circulares de cordão no pescoço? Conversa, não tem perigo nenhum”.

Uma grande defensora do parto doméstico, Caroline Lovell, australiana de 36 anos, morreu em fevereiro deste ano - após um parto feito em casa. Deixou órfãs uma recém-nascida e outra menina de três anos. Fiquei triste por ela e achei injusto o carnaval que a mídia internacional fez a respeito. Afinal, talvez as complicações tivessem matado Lovell mesmo que ela estivesse em um hospital. Talvez não, não sei. Só digo o seguinte: ninguém está isento de riscos. Nem em casa, nem no hospital, nem parindo por via natural, nem por via aberta a bisturi.

Acho um absurdo que grande parte dos obstetras empurre as gestantes para o parto cirúrgico agendado. Acho um absurdo que, em gestações sem maiores riscos, os conselhos de medicina queiram proibir médicos de dar assistência a partos em casa. Mas também acho um saco essa demonização da cesariana, que salva, sim, tantas vidas. Quando repórter, fiz matérias sobre meninas que passaram 18, 20 horas em trabalho de parto no hospital, andando de um lado para outro, sentindo dor - e morreram ou perderam seus bebês, por falta de uma cesariana. Não eram partos normais decentes, humanizados. Era tortura institucionalizada. Nada a ver com os partos naturais com doulas bem pagas ao lado, tudo bem preparadinho, pré-natal em dia.

Meu filho mais velho tinha, sim, duas circulares de cordão, além de vários outros complicadores que, em conjunto, me deixaram com receio. Eu desisti. E já tive que ouvir críticas, "circular não é risco para o bebê". Hello! Duas circulares podem não ser risco para o bebê, mas eu também queria sair inteira do parto. E um descolamento de placenta não estava nos meus planos, não. Já com minha filha mais nova, o problema era só meu: em depressão e sem nenhuma condição emocional de esperar nem de enfrentar o processo todo do parto natural. Talvez até tivesse sido bom para mim - mas talvez fosse desastroso. Conversei muito com meu terapeuta e com minha obstetra e decidimos juntos.

Meus partos – os dois – foram as experiências mais emocionantes da minha vida. No primeiro, eu não tinha ideia do quão perturbador é sentir pela primeira vez o cheiro do seu bebê (isso é tema para outro texto, porque merece). Amamentei meus dois filhos. Vivo o dia-a-dia deles, me desdobro em cuidados, somos uma comunidade muito unida lá em casa. E já tive que aguentar conversas que eram quase uma competição para ver quem teve a melhor experiência, a mais transcendental, a mais emocionante. Oi? Quem quiser perder tempo discutindo comigo alguma coisa sobre vínculo entre mãe e filho, podemos discutir. Mas eu vou ganhar, porque Caio e Alice estarão comigo.

Então, pessoal, vamos combinar uma coisa? Todo mundo apóia as manifestações pelo parto humanizado, mas vamos parar de olhar para as mães ‘de cesárea’ como se fossem de outro planeta - ou como se não tivessem lutado o suficiente por um direito ao qual, talvez, elas nem fizessem tanta questão assim. Essa briga é com os médicos e com o sistema de saúde, não com as outras mães. Vamos ‘empoderar’ as mulheres, mas não só para que comandem o próprio parto - e sim para que o poder esteja com elas sempre: antes, durante e depois.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista, cronista e mãe cansada de radicalismos para um lado e para outro. E-mail e pedradas: jornalista.daniela@uol.com.br

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Elvis Presley, cadê você?

Elvis lá em casa não era Presley. Era simplesmente “o Elvis”, uma pessoa da família. Eu cheguei a confundi-lo com meu pai, em uma capa de disco, quando tinha uns quatro anos. Elvis morreu no mesmo ano em que eu nasci. Mesmo assim, sempre foi tão parte da minha vida como se ainda estivesse vivo. Claro que a paixão foi herdada: a pessoa mais doente por Elvis que conheço é minha mãe. E contagiou as quatro filhas.

Elvis era genial, sensacional. A voz, fora do comum, potente, extensa, afinada e com aquele timbre que só os negros costumam ter. A atitude ousada, que lhe rendeu preconceito tanto da elite quanto dos negros na década de 1950, por cometer o sacrilégio de misturar o country americano ao blues. Que maravilha de sacrilégio.
Quem nunca ouviu Hound Dog no último volume ao volante não se divertiu dirigindo. E os primeiros acordes de Suspicious Minds, inconfundíveis? A fantástica Jailhouse Rock e a monumental It’s now or never fazem parte do meu rol de preferidas. Mas também sou apaixonada por In the ghetto, um protesto que pode soar simplista hoje em dia, mas continua tocante.
E o que Elvis fez com a já maravilhosa Hey Jude, de Paul MacCartney, é algo para se tratar à parte. Hey Jude na voz de Elvis é grandiosa, sentida, bela. Assim como é grandiosa a interpretação dele para Bridge over troubled water, obra-prima de Paul Simon e Art Garfunkel. Chavão, mas eu adoro.
A verdade é que Elvis era bom com as baladas mais sentimentais e melosas – e melhor ainda com o rock furioso. Ele se divertia cantando, dançando e tocando. E era lindo, tão absurdamente lindo e carismático como um cara pode ser. Ele usava capa, como um super herói. Tenho saudades até dos filminhos bobos que ele estrelou e que me embalaram a infância nas sessões da tarde.
Elvis foi mais uma vítima de overdose de medicamentos, de gente aproveitadora que se aproxima de grandes artistas e não se importa que a saúde deles vá pro buraco, desde que a grana continue entrando. Morreu jovem, há exatos 35 anos, deixando tristeza, fãs ensandecidos e um desafio que continua em aberto: que alguém o supere. Vai ser difícil, cara.
Não sei para onde ele foi. Se existe um céu, sua voz garantiu passagem expressa pra lá. Não sei para onde as pessoas vão quando morrem. Mas de uma coisa eu tenho certeza: o lugar para onde Elvis foi agora é muito mais feliz. Continue em paz, onde quer que esteja.
Daniela Lepinsk Romio, cronista que sente uma falta danada de coisas que nem viveu. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

domingo, 5 de agosto de 2012

Sobre dor, afeto e um peixinho vermelho

O peixe apareceu sem ser convidado. Veio em um aquário redondinho, com pedras azuis no fundo. Ter um peixe fazia parte de um projeto da escola do meu filho, 5 anos, bochechas rosadas e a cara mais feliz do mundo, cheio de excitação com a propriedade, finalmente, de um bicho vivo. Criança de apartamento é isso mesmo. Sabia de cor todas as instruções: três bolinhas de comida uma vez por dia, trocar a água semanalmente, não colocar água da torneira sem deixar descansar antes para baixar o cloro, não lavar o aquário com sabão.



O peixe ganhou um nome: Tico. Na verdade, não gostei muito. Para mim, peixe tem que ter nome de gente e com pelo menos três sílabas. Ulisses, Homero, Godofredo, Dagoberto. Mas tudo bem: o peixe não era meu, era do meu filho.

O fato é que eu fui desenvolvendo uma certa relação de afetividade com o peixinho vermelho. Achava muito estranho passar ao lado do aquário, sabendo que um ser vivo estava ali dentro, e não cumprimentar. Pois é, comecei a falar com o peixe. E acho que ele passou a gostar de mim também, pois normalmente a minha presença estava diretamente relacionada às bolinhas de ração. Que rapidamente aumentaram - duas porções diárias de cinco bolinhas. Ninguém merece comer uma só vez por dia.

O peixe nunca demonstrou muito brilhantismo. Às vezes, demorava séculos para encontrar as bolinhas na superfície. Nas trocas de água semanais, nunca aprendeu que a peneirinha não ia fazer nenhum mal - dava voltas e voltas no aquário, fugindo de mim e ouvindo meus palavrões. Eu cheguei à conclusão de que ele não era muito normal.

Um ano depois de chegar, o peixe ficou doente. Um dos olhos inchou. Comprei três tipos diferentes de remédio, que custaram mais que o preço de um peixe novo. Tratei durante quase dez dias, fracionando dosagens e pingando coisas estranhas na água - que, ora ficava azul, ora amarela. Ele foi ficando quietinho, não queria mais comer, nadava com lentidão. E morreu. Depois de uma tarde mais sofrida, ficou lá parado, no fundo do aquário, de lado. Eu chorei. Fiquei triste, esperando que ele soubesse que eu não falava a sério quando dizia que ele não era normal.

Meu filho, de férias na casa da avó, demorou mais para ficar sabendo. O que não reduziu o tamanho do desastre, pois tive um momento de cretinice e contei para ele, por telefone. Ele parecia tão adulto, achei que fosse mais fácil ficar sabendo logo. Mas o moleque ficou arrasado, chorou e soluçou um tempão. Disse que eu deveria ter deixado o peixe morto no aquário, para que ele pensasse que o amiguinho estava só dormindo.

Na verdade, quase todo mundo que conheço apoiava minha primeira idéia: comprar um peixe novo, da mesma cor, substituir o Tico e não deixar que meu filho soubesse. Ponto final. Mas eu não consegui. O peixe era um projeto dele, mas se tornou uma partezinha do meu dia-a-dia, e a gente é responsável pelo que cativa etc, etc. Não era um peixe qualquer. Era um peixe que tinha cativado gente.

Daniela Lepinsk Romio, cronista, mãe do Caio e da Alice - e da Cacau também, uma gata (porque esse negócio de aquário é muito frustrante).

Sou manteiga derretida mesmo, e daí?

Sim, eu sou do tipo que chora em abertura de Jogos Olímpicos. Choro na final de vôlei quando o Brasil está lá. Choro quando um ginasta brasileiro cai ou tropeça. Não fico dizendo que são uns perdedores, nem que se entregaram. São tão poucos os que chegam lá, como chamar essa gente de perdedora?
Mas choro pelo contraste também - de um lado, a beleza dos atletas em competição pesada, mas respeitosa. De outro, gente sendo morta na Síria. Gente sendo morta no cinema quando só queria ver o Batman. Um pai que mata a mulher e o filhinho a facadas e se joga da ponte depois - sem nem conseguir morrer. A moça violentada por assaltantes na presença do marido, tão perto do Governo Federal. A menina violentada e jogada no mato, amordaçada e amarrada.
É tão estranho parar e assistir a um evento como esses depois de uma semana cheia de notícias tão brutas. Mas é alentador também, poder chorar um pouco por uma coisa bonita, como a cerimônia de acendimento da pira olímpica. Ouvir de novo uma canção tão delicada, que é Hey Jude, escrita por um cara bacana para consolar o filho pequeno do amigo, triste com a separação dos pais. Uma música de acalanto para uma criança. Que ainda serve de consolo para tantos, tantos anos depois...
Depois de tanta loucura e brutalidade, algo assim reacende um pouco a crença da gente no ser humano. Os bons são maioria, ainda são.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista chorona. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Eterno enquanto dure, uma ova!

Posso apostar que Vinícius de Moraes se revira no túmulo quando ouve alguém (mal) inspirado soltando a pérola “que seja eterno enquanto dure”. Essa é uma das frases mais levianas que já ouvi. Não tem nada a ver com o poema ao qual faz referência, que diz, sobre o amor, justamente o oposto: “que não seja imortal, posto que é chama / mas que seja infinito enquanto dure.” É INFINITO enquanto dure! IN-FI-NI-TO! Não tem nada de eterno, que ridículo! E o pior é que a praga do “eterno enquanto dure” se espalhou de um jeito absurdo: no Dia dos Namorados, tudo quanto é perfumaria estampa a frase na vitrine. Músicas bregas e personagens de novela citam o tempo todo - e citam errado na maioria das vezes.

E não venha me dizer que infinito e eterno são a mesma coisa, porque não são. O universo é infinito, segundo grande parte dos cientistas. Mas isso não quer dizer que seja eterno. Quando, na gracinha que é o Soneto da Fidelidade, Vinícius diz desejar do amor que NÃO seja imortal - posto que é chama -, está justamente negando a eternidade, o “felizes para sempre”. Seu “infinito enquanto dure” é carregado de significado, da singeleza de um sentimento que é tão enorme que não tem fim. É uma dimensão muito mais espacial que temporal. O eterno é puramente temporal. Um sentimento pequenino pode ser eterno. Posso eternamente gostar de você só um pouco. E posso amá-lo infinitamente por dois segundos. Ou por meia hora. E posso sentir uma tristeza infinita que vai passar logo. Infinito e eterno não se confundem.

Por isso chamo de leviana a afirmação “eterno enquanto dure”. Ela renega a pureza dos sentimentos de amor e fidelidade expressos no soneto, pois nada traz de novo além da hipocrisia de quem garante sentimento eterno sem ter lastro para isso. “Olha, hoje eu digo que te amo para sempre, mas é só enquanto durar, tá? Amanhã pode aparecer outra pessoa e tudo acaba...”. É muito diferente de “olha, eu amo você tanto que não tem medida, não tem fim. Pode até acabar um dia, mas neste momento é o maior sentimento que tenho”.

Poucas coisas me irritam mais do que ignorância perpetuada e espalhada em progressão geométrica. Ignorância em si não me irrita (tanto). Mas, quando vem travestida de erudição, é de dar nos nervos. Faça um teste: digite “infinito enquanto dure” (entre aspas) no Google. Aparecem 391 mil registros. Depois, digite ‘eterno enquanto dure’. Aparecem mais de 4 milhões!!! Até alguns anos atrás, a citação certa ganhava... mas algumas músicas ridículas ajudaram a perpetuar a bobagem. É de chorar.

Poucas coisas me irritam tanto quanto ver uma bela obra desvirtuada. Gosto muito de Vinícius de Moraes. Ele foi do infantil ao erótico sem perder a classe. E era tão bacana que, no fundo, acho que nem se importaria tanto quanto eu me importo com essa coisa toda que fizeram do seu soneto. Talvez só risse.

Nas aulas de literatura, às vezes se obriga a estudar o Soneto da Fidelidade, o Soneto da Separação. E a obrigação acaba fazendo com o que os significados se percam. Ficamos tempo demais tentando gravar na cabeça que soneto é um poema de 14 versos, normalmente 4/4/3/3, e não percebemos que um soneto bem escrito é simplesmente uma coisa boa de se ler ou ouvir. Vou escrever o texto inteiro aqui embaixo e, se você quiser, leia de novo. Respire fundo, relaxe e aproveite. E ande sempre com uma pedra no bolso, para quebrar a próxima vitrine que desrespeitar uma composição tão bonita.

 Soneto da Fidelidade
Vinícius de Moraes
(Escrito em Estoril, Portugal, outubro de 1939)

De tudo, ao meu amor serei atento
antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Daniela Lepinsk Romio, jornalista viciada em leitura. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

Doze minutos

A fornada de chipas recheadas com goiabada ainda não estava pronta. Faltavam doze minutos. Não servia a chipa comum, senhora? Não, não servia. Gosto mesmo é com goiabada. Mas desisti de comprar. Meu filho de oito anos me esperava no carro - e ainda precisávamos passar na escolinha da bebê para buscá-la antes de ir para casa. Já eram seis da tarde. Como é que a loja de conveniência do posto não tinha chipas recheadas já prontinhas, assadinhas?

Voltei correndo para o carro e informei a um Caio desolado que não teríamos as chipas recheadas, porque ainda estavam assando. Passamos pela escolinha e pegamos a Alice, que dormia tranqüila. De lá, fomos direto para casa, para a rotina de todos os começos de noite.

E só em casa me ocorreu o que eu perdi naqueles doze minutos.

Se eu tivesse esperado que as chipas assassem, o Caio teria saído do carro e nós nos sentaríamos junto a uma das mesinhas, ali no posto de gasolina, e ficaríamos esperando juntos. Ele provavelmente me pediria um picolé ou coca-cola. Talvez eu até tomasse uma cervejinha. Olharíamos as revistas e ele me contaria alguma coisa da escola ou suas teorias mirabolantes sobre o campeonato brasileiro, todas conduzindo o Cruzeiro ao título.

Alice esperaria mais doze minutos na escolinha. Aos oito meses e dormindo no bercinho, a espera não faria grande diferença na vida dela. Chegaríamos em casa doze minutos mais tarde, talvez quinze, por conta do trânsito que se intensificaria. E teríamos chipas recheadas no lanche. Quentinhas. Com a goiabada derretendo.

Melhor que as chipas, teríamos ganhado doze minutos inteiros e inesperados de relaxamento e conversa jogada fora, em um programa exclusivo de mãe e filho. Talvez tivéssemos encontrado alguma notícia muito engraçada nas revistas de fofoca, ou então comprado um livrinho de palavras cruzadas ou sudoku.

Eu teria doze minutos a mais de boas lembranças com meu filhote querido, para guardar com carinho quando ele inevitavelmente se jogar no mundo daqui a poucos anos - porque o mundo é um destino pequeno para um menino como ele, que sabe localizar a ilha de Madagascar e a Nova Zelândia, mesmo em um globo de mesa, menor que uma laranja e sem os nomes dos países.

Ele teria doze minutos a mais de lembranças do lado positivo da mãe, que permite picolé no fim da tarde e arruma tempinhos de atenção exclusiva para ele, sem distrações - bem melhor que a lembrança da mãe estressada que entrou no carro reclamando que as chipas iam demorar, cazzo.

Nossa vida iria ficar meio em suspenso por doze minutos, porque deixaríamos a programação de lado e nos permitiríamos apenas viver um pouco, curtindo a boa companhia um do outro. Eu troquei doze minutos de vida improvisada por outros doze, de programação burocrática. E a vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos, diz a bela música de John Lennon, Beautiful Boy.

Não vou perder tempo fazendo outros planos. Mas é fato que a lojinha de conveninências está lá, no meu caminho de casa, todos os dias. Então, ainda tenho chance de dar uma paradinha e, em vez de descer correndo e pegar a chipa, convidar o Caio para um picolé e revistinhas. Ou posso aproveitar os mesmos doze minutos de fim de tarde com ele de outro jeito, independentemente da lojinha ou das guloseimas. A lição foi bem aprendida: às vezes, doze minutos podem valer muito, muito mais.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista em Cuiabá, MT. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br. Esse texto é de 2010, mas eu gosto muito dele! Aprendi a desprogramar as coisas de vez em quando...

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Vende-se uma alma. Pode ser ao diabo

(Daniela Lepinsk Romio, jornalista enfurecida com a cara-de-pau de algumas pessoas)
A jovem entra no restaurante com um grupo de pessoas mais velhas – pais e tios, aparentemente. É bonita, animada, e logo comenta que está na correria para entregar a monografia da faculdade. O tio – exemplo de vida! – pergunta: não dá para comprar, não? Quanto custa? A moça responde: R$ 500. O tio joga o problema para o pai dela, que não diz nem sim nem não.
Eles conversam em voz alta. Não se preocupam em falar de forma discreta, não se acanham diante de quem já estava lá primeiro. O homem sugere a fraude com toda naturalidade. A moça conta de vários colegas que compraram. Conta um pouco sobre o curso, que é na área de saúde – ela vai cuidar da saúde de pessoas quando se formar.
Em favor dela, é preciso dizer que não pareceu muito empenhada em comprar a monografia, não. Na verdade, até descreveu a pesquisa, que estava adiantada. Mas ninguém na mesa – ninguém – olhou para o tiozão e disse: imagina, monografia não se compra.
Eu gostaria de ter ouvido essa frase. Gostaria de, pelo menos, tê-lo visto rir da inocência dos demais. Gostaria de ter visto alguma atitude do pai em defesa da honra da filha. Mas eu sou uma tonta, antiquada, babaca, que sempre fez os próprios trabalhos e escreveu os próprios textos. Meu conhecimento é construído, não chupado. Perfeita? Longe, muito longe disso. Mas a régua que nivela as atitudes que me permitem dormir em paz fica meio alta.
Tem gente que dorme em paz sem régua nenhuma.
O difícil é quando justamente esses vestem o jaleco branco para cuidar da nossa saúde – minha, sua, dos meus filhos, dos meus pais.
Difícil é quando esse povo sem régua vence as licitações para construir estradas, trincheiras, viadutos, comprar medicamentos, fornecer merenda escolar. Quando esse povo sem régua passa no exame da OAB – e depois vai galgando os degraus até virar desembargador, ministro.
Quando esse povo sem régua apresenta um programa de televisão picareta que finge defender os interesses da população – mas na verdade só quer encher o bolso e se candidatar a vereador, para começar uma vida política.
Quando esse povo sem régua vai subindo, se aliando ao diabo se preciso for, até chegar ao senado.
Todo mundo dorme em paz... não importa os pesadelos que causam a outros.
Exagero? Não. Quem compra monografia compra o guarda, compra sentença, compra voto.
A cada compra, vende uma parte de si. Primeiro vende a vergonha. Depois, vende a dignidade. Depois, a humanidade. O senso de honradez. A capacidade de sequer enxergar o outro. A responsabilidade. Não importa o comprador. É quem der mais. Seu bolso é o limite.

sábado, 5 de maio de 2012

Mudamos de nome...

Pois é... a pessoa sem noção colocou um título no blog sem pesquisar antes. Só para descobrir em seguida uma editora que já tivera a super ideia de usar o mesmo título.

Deixei para pesquisar depois e deu nisso. Então, antes que alguém me incomode com o caso, a partir de agora o bichinho fica renomeado: Linhas tortas e garatujas. Na verdade nem precisava de nome, mas achei meio estranho deixar só Daniela Romio. Meio megalomaníaco, sei lá.

Bom, está aí: com nome e sobrenome esquisito. Igual à dona.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Rute e o girassol



No dia em que o caminho de Rute cruzou o meu, ela tinha nove anos. E nunca tinha morado em uma casa de verdade. Sempre vivera com a família em barracos de assentamentos, aguardando. No dia em que o caminho de Rute cruzou o meu, ela estava prestes a se mudar para uma casa de verdade pela primeira vez.

Rute era linda. Tinha o cabelo crespo, tipo afro, mas muito loiro, todo bem pra cima, o corpo magrinho e um sorrisão de criança esperta. Para muitas coisas, era a guia da mãe, pois já sabia ler e a mãe nunca aprendera. Rute ajudava a cuidar do irmão e brincava com um gatinho. Gosto de pessoas que brincam com gatos, pois gente que gosta de gato em geral se reconhece e desenvolve uma espécie de sintonia imediata.

Eu simpatizei imediatamente com Rute. Seria apenas um trabalho de free-lancer: fui a Barra do Bugres, conhecer de perto umas casas populares – ops, habitações de interesse social – que estavam sendo construídas com materiais e técnicas que baixavam o custo e melhoravam o conforto. Era um projeto da antiga Escola Técnica Federal de Mato Grosso e minha tarefa se resumia a apurar e divulgar. Eu não contava com a presença de Rute.

Em primeiro lugar, ela era alegre. Empolgada. Levava uma vida super complicada. A mãe tinha a minha idade hoje – uns 34 anos- mas parecia ter bem mais. O pai se envolveu na construção da casa nova, uma das exigências mais bacanas do projeto. Todos tinham coisas para contar, mas Rute era a figura central da família, que parecia costurar os demais elementos juntos. Entrevistei a mãe, o pai, os engenheiros. Mas a estrela era Rute. E ela se saiu bem. Quando perguntei qual seria a primeira coisa que faria quando se mudasse, ela nem hesitou: “vou plantar um girassol”.

Ela me fez chorar. Mudou todo o enfoque da minha matéria, que de texto técnico passou a humano. De release se transformou em matéria domingueira, gostosa de escrever. Mudou a minha forma de olhar o meu filho, que nunca deixou de ter quatro paredes e um colchão macio para dormir. Nunca me esqueço que recebi um elogio da colega Nadja Vasques, então editora de jornal, pelo texto pronto. Eu perguntei se ela teria interesse em avaliar para publicar. Ela aceitou avaliar, sem prometer nada. Pouco depois, me ligou e disse que havia gostado mais do que imaginara que iria gostar. Ganhei página inteira, fotos e chamada de capa. Quer dizer, foi Rute quem ganhou, com seu girassol.

O que eu ganhei mesmo foi lição de vida. Reclamo demais, sou ranzinza demais. Quero demais, me preocupo demais. E estou sempre à procura do terreno perfeito para plantar meu girassol. Rute me mostrou que isso não existe: o terreno só fica perfeito depois que plantamos o girassol nele. Ela era toda linda na sua simplicidade de cabelo arrepiado e gatinho no colo, esperta, lendo os documentos importantes para a mãe. Ela provavelmente nem se lembra de mim, mas eu me lembro sempre dela, rezo para que esteja bem. Deve ser uma mocinha, agora. Tomara que tenha conseguido se manter na escola. E que ainda leve em seu coração a cor e a luz de todos os girassóis do mundo.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista em Cuiabá e ainda não plantou seu girassol, mas fará isso em breve. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br. Texto de novembro de 2011, publicado no Pauta Quente (www.blogpautaquente.com.br)

Multitarefa

O celular toca na sexta-feira depois do expediente, quando estou chegando à escola do meu filho. A ligação é de uma TV. “Sobre o apagão nacional de hoje: atingiu Mato Grosso?”. Cara, eu não tinha idéia. Como ninguém tinha me ligado da área técnica da Cemat, achava que estava tudo bem. Desço do carro para chamar meu filho enquanto ligo para o responsável na Cemat. Ele já me pergunta: “você não leu meu e-mail?”. Não, eu não tinha lido o e-mail. Fiquei trancada em reunião até mais tarde e saí sem ver os últimos e-mails do dia. Enquanto o Caio (9) entra no carro, falando sobre o aniversário do amigo que seria no dia seguinte, vou anotando os dados sobre o que aconteceu.

Realmente não era nada grave para nós: foi uma complicação no sudeste que afetou o fornecimento de energia em parte do país. Mas em Mato Grosso, o efeito foi muito pequeno: só quatro minutos, graças a Deus. Alguns bairros na capital, poucos municípios do interior. Mas minha noite de sexta mal começava… Por sorte, minha irmã ligou e se ofereceu para pegar – na outra escola – a minha pequenininha, Alice (1 ano e meio). Então daria tempo de comprar o presente do amigo do Caio.

No caminho do shopping, umas três paradas para usar o celular. Decidimos o presente antes de chegar lá, enquanto eu explicava a vários repórteres diferentes o que é carga, porque se mede em megawatts, o que é esquema de alívio de carga, porque motivo isso é bom para o país inteiro e não, fique tranqüilo, isso não tem nada a ver com capacidade de suprimento. Sim, Caio, eu vi que aquele era um BMW. Foi menos de 4% da carga do Estado, menos de 4% dos consumidores, uma interrupção de quatro minutos, às 15h44. Se jogo do bicho não fosse contravenção, dava para jogar no quatro. Que bicho é o quatro? Não faço idéia. Vi o Mini Cooper também. Não, o Camaro eu não vi. Era um Camaro? Ai que sede.

Dentro da livraria, às voltas com pegar e pagar o Diário de um Banana, mais um jornalista liga e a conversa se repete. Já no piloto automático. Caio pede uma Quatro Rodas. Autorizo e pago, também no piloto automático. Ah, moleque, se deu bem. Manobrando para sair do estacionamento, outro colega liga, para tirar mais dúvidas. Já estou me achando quase uma engenheira eletricista a esta altura. Poderia gravar entrevista para rádio ou TV e nem iria gaguejar, de tanto que já repeti as mesmas informações. Putz, dava meu mindinho esquerdo por uma coca gelada. Não, não dava, Caio, é só força de expressão.

Chego à casa da minha irmã, para buscar a bebê, depois de uma hora e meia de andação e telefonemas, com a cabeça vazia e completamente esgotada. Mas com uma sensação impagável de missão cumprida. Não bati o carro, consegui atender todo mundo que me procurou, não fiquei devendo informação a ninguém e acho que os colegas das redações também ficaram satisfeitos. Um deles até elogiou! “Que assessoria, hein?”, rsrsrs. Adorei. Meu filho já tem o presente do amigo, Alice está tranqüila com os primos. Uma sexta-feira típica de uma semana típica. Volto para casa sorridente. Nem me importo que ninguém mais perceba a razão do orgulho estampado na minha cara – ninguém vê, mas o peso inerte que arrasto atrás de mim é apenas o meu leão do dia, que eu mordi na jugular.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista, gerente de Comunicação da Cemat, mãe do Caio, mãe da Alice. Funciona em 220 V e não sabe se leão tem jugular. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br. Texto de setembro de 2011, publicado no Pauta Quente (www.blogpautaquente.com.br)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A volta espetacular do livro perdido que eu queria tanto

Daniela Lepinsk Romio, jornalista viciada em leitura
Procurei durante anos por um livro que queria reler: Fundação II, que vem logo após a trilogia Fundação, de Isaac Asimov. É uma trilogia de cinco – tem os três primeiros livros (que já foram publicados de forma independente e também em um só) e mais dois. Dá pra ler só os três primeiros – mas a história só se fecha mesmo com esses últimos dois.
(Na verdade meeeesmo, são sete livros – mas os outros dois não são tão fundamentais para o entendimento da história - veja no fim do texto a lista completa.)
Só que Fundação II está esgotado na editora há anos. Anos! Consegui o primeiro (a trilogia original, de três mesmo). E consegui o quinto, graças aos contatos em sebos do namorado-ex-marido-que-na-época-era-marido. Mas nada do quarto livro. Só em inglês, mas aí ficava mais difícil de compartilhar.
Eis que, outro dia, procurando outro livro que não tem nada a ver com a paçoca ao longo das prateleiras da mesma livraria que eu freqüento há anos, o que é que pula na minha frente? O quê? O quê?! Fundação II. Parecendo livro de sebo, de tão velho. Primeira edição. A capa soltando. Eu nem acreditava, comecei a rir que nem besta. Ele estava lá esses anos todos, esperando por mim!
É claro que eu já tinha pesquisado no sistema da livraria e constava um – mas ninguém encontrava. Até me avisaram que quando consta um fica difícil de ter certeza se ele está lá mesmo, porque os livros mudam de lugar por conta própria. Com tantas estantes diferentes, eles se cansam da mesma vizinhança.
Mas o meu livro apareceu para mim! Aposto que se escondia quando alguma outra pessoa tentava pegá-lo, mas veio pulando de prateleira em prateleira até ficar na minha frente, fazendo exposição da figura. Agora está lá em casa, feliz da vida, entre os irmãos...
Para quem não conhece: Fundação é uma história de ficção científica. Mas não é qualquer ficçãzinha, não... é uma história grandiosa, belíssima, escrita por um grande pesquisador e que influenciou muito do que se vê hoje nos filmes (de Star Wars a Avatar), e antecipou alguns fenômenos atualíssimos em relação à disseminação e construção do conhecimento. É leitura de formação, que muda a forma de pensar a vida da gente. Internet? Wikipedia? Google Earth? Bluetooth? Redes sociais? Lá tem tudo isso e muito mais, direto dos anos 70 e 80...
Aviso desde já que não pertenço exclusivamente à 'turma do Asimov': sou fã, mas na minha estante tem Arthur Clarke e Carl Sagan também, todos lado a lado como bons companheiros que são. Gosto de ficção científica bem escrita e ponto. Meus filhos nasceram em 2001 e 2010 – quer coincidência mais legal? Só espero não morrer antes de 2065 (quem sabe chego a 3001?). Portanto, quem 'só gosta de Clarke' e torce o nariz pro Asimov pode confiar no que estou falando.
Para os que decidirem se aventurar, recomendo a sequência abaixo:
1 - Prelúdio para a Fundação (compensa ler antes da série, mas não é indispensável)
2- Fundação
3- A Fundação e o Império
4- Segunda Fundação
5- Fundação II
6- A Fundação e a Terra
7 - Crônicas da Fundação (compensa ler depois da série. Não faz parte da sequência, mas traz crônicas bacaninhas que ajudam a aplacar o gosto de quero mais que fica depois que a história acaba).
(Última dica: Pesquise em sebos online. No www.prateleiravirtual.com.br constam algumas referências até para Fundação II. Não, eu não tinha pesquisado lá antes. Dããã... Mas foi bom, porque me rendeu uma história muito mais legal!)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Aniversário em tempo de Quaresma e Facebook

Daniela Lepinsk Romio, jornalista que adora o próprio aniversário

Meu aniversário sempre caiu na Quaresma. E, na minha casa, não se fazia festa na Quaresma. Uma festinha discreta, tudo bem. Mas não se dançava na Quaresma, nem se comia carne às quartas e sextas-feiras, nem se cortava o cabelo, nem se ouvia música muito alta. Cresceria um rabo em quem transgredisse as regras. Quaresma? É o período de resguardo católico que começa depois do Carnaval e só termina no sábado de Aleluia, véspera da Páscoa.

Lembro-me de poucas festas de aniversário. Era gostoso, mas sempre tinha a sombra da Quaresma... E quando fiz 13 anos, então, que ninguém se lembrou?! Era um domingo e eu, ainda muito boba, tinha vergonha de ficar lembrando as pessoas. Por coincidência, depois do almoço, passou um filme dos Trapalhões e, de repente, um deles falava: “Hoje é meu aniversário”. E hoje é MEU aniversário, repeti. Aí, ganhei muitos parabéns e abraços etc. Mas foi meio chato. Dois anos depois, quando fiz 15 anos, caiu na Quarta-Feira de Cinzas. Sem comentários.

Eu sei que me enchi. Agora, nem bem chega o mês de março e eu já começo a alardear que meu aniversário está perto. Conto para todo mundo, aviso que quero parabéns. Aceito antecipado, aceito atrasado, aceito parcelado. Aceito todos os dias! Adoro meu aniversário. Mesmo ficando mais velha. Eu gosto de ficar mais velha. Considerando a alternativa que resta, é ótimo! E não se trata só de acumular idade. É como a música maravilhosa do Palavra Cantada afirma: “Quando chega o meu aniversário eu me sinto bem maior do que eu era antes”.

Continuo não fazendo muita festa – mas sempre celebro o meu crescimento. E me dou um presente. E danço. Já ganhei até música na rádio (Envelheço na Cidade, do Ira!, dedicada pela minha irmã Sabrina em sua breve incursão no radialismo). E até hoje não criei rabo nenhum!!!

Nos últimos anos, uma das coisas mais legais do aniversário é o mural da gente nas redes sociais. Lembro da surpresa boa que foi o meu primeiro aniversário pós-Orkut. Eu não sabia como era. Fiz meu login normalmente no dia e elas estavam lá: quase cem mensagens de felicitações! Eu amei. Não interessa que as pessoas só se lembraram porque o Orkut avisou. Elas poderiam ter simplesmente ignorado o aviso – mas se deram ao trabalho de clicar lá e escrever os parabéns para mim.

Até hoje, mesmo com o Orkut às moscas e o Facebook já começando a saturar, acho superlegal abrir minha página no dia do meu aniversário. Gosto de poder “curtir” publicamente as felicitações. E gosto de dar os parabéns aos meus amigos todos... às vezes eu falho, porque fico dias sem entrar e perco as datas, mas consigo dar um alô à maioria.

Como nem tudo é perfeito, ultimamente começaram a chegar umas solicitações esquisitas no Facebook... Um tal de “Meu Calendário”, que obriga a gente a permitir um monte de acessos e intromissões à vida pessoal, caso queira participar. Thanks – but no, thanks! E até um cartão virtual, que vem automaticamente, mas se eu quiser ver – surpresa! Também tenho que liberar o acesso à minha vida inteira para os donos do Face. Go figure. Fiquei de fora desses. Prefiro os parabéns comuns mesmo, escritos no mural, do jeito mais antiquado... Feliz aniversário para mim! E feliz aniversário para você!

Pequena contravenção em nome do vício

Daniela Lepinsk Romio, jornalista viciada em leitura

Ela entrou na loja como quem não queria nada. Posso ajudar? Estou só olhando, obrigada. Passou pela seção dos eletrônicos, a seção dos DVDs eblu-rays e outras modernidades. O coração batia muito mais forte quando chegou à enorme seção de livros, em busca das estantes altas que a acolheriam e ocultariam.

Mas as estantes tinham mudado. De uma semana para outra. Sem nenhum aviso. Eram estantes baixas, agora. Na altura dos ombros. Ela, alta, de cabelo arrepiado, com botas de salto alto e uma bolsa enorme, nunca passaria despercebida ali. Não dava para simplesmente se abaixar e fazer escondido. Precisaria deixar para outra hora.

Foi se afastando da seção de livros. Os joelhos fraquejando, o estômago gelado querendo subir pela garganta, os ouvidos latejando e as bochechas ardendo de ansiedade. Cada vez mais devagar, mais indecisa. Até que parou, antes de chegar à porta da loja.

Para disfarçar, fez cara de poxa-vida-acabei-de-me-lembrar e, mais uma vez, tomou o caminho para a seção de livros. Muito depressa, escolheu a estante com menos gente em volta e observou o que tinha por lá. Manuel Bandeira, Paulo Leminski. Estrela da vida inteira, do Bandeira. Já conhecia, mas a capa era diferente. Vai servir, pensou.

Tirou o livro da estante e deu aquela alisada na capa. Com a mão inteira, como quem alisa o pelo de um gato grande e preguiçoso. Seu tipo preferido de capa, com plastificação bem fininha e fosca, que deixa o papel com jeito de encerado, e algumas partes com verniz. Tão bom de alisar. Agora o coração já queria sair pela boca também. Só não pulava porque, na disputa com o estômago para ver quem saía primeiro, os dois ficavam entalados e nenhum passava na garganta. Pura sorte.

Esvaziou os pulmões bem devagar, até o fim. Abriu o livro em qualquer página, fechou os olhos e mergulhou. Cheirou com vontade, papel, tinta, cola, verniz, letras, palavras, versos, paixão, dor, saudade, tudo misturado. Cheirou e cheirou de novo, várias vezes. O ritmo do coração foi voltando ao normal. O estômago parou de dar nó.

Quando os joelhos já estavam firmes de novo, levantou a cabeça e abriu os olhos. Só para encontrar os olhos da vendedora, parada do outro lado da maldita estante anã, olhando diretamente para ela. Meio incrédula, meio reprovadora, com a mão no rádio, na dúvida se aquilo já era caso de tango argentino ou se ainda valeria tentar um pneumotórax. Já leu Bandeira?, disfarçou. Não. É muito bom, deveria experimentar. Sei. A vendedora, cada vez mais desconfiada. Não iria ler Bandeira nenhum. Nem queria saber de gente enfiando o nariz nos livros, depois aparecia algum com sujeira e quem iria pagar? Quem? No dia seguinte, além da placa de “favor não folhear as revistas”, pediria uma nova, dizendo “favor não cheirar os livros”. Cheirou, tem que comprar.

(Texto de 2012, também publicado no Jornalirismo. Baseado em vários episódios reais e constrangedores.)

Se acaso eu morrer um dia

Daniela Lepinsk Romio, jornalista que sofre de claustrofobia

Pode ser que um dia eu morra. Não estou certa disso – como todo ser humano, tendo a me imaginar eterna. Penso em como será o mundo daqui a cinquenta anos e imagino que estarei nele. É possível que sim. Penso em cem anos adiante e me imagino participando das novidades. Penso nos netos dos meus netos. E tomo um susto tremendo toda vez que percebo que não conhecerei nenhum neto de neto meu.

Mas o susto logo passa, substituído pela sensação reconfortante de que, talvez, afinal, eu não morra. E se eu for eterna? E se o tempo se esquecer de mim, perdida em minha insignificância? Se eu ficar bem quietinha, não aparecer muito, talvez ele não se lembre de que eu existo e me deixe ser eterna em paz.

Agora, se acaso eu morrer um dia, deixo algumas instruções para meus entes queridos, já que deverão ser mais eternos que eu:

Instrução número 1: tudo bem se ficarem tristes no começo. Isso é normal e passa. Mas procurem se lembrar que, embora meio ranzinza, eu sempre fui alegre. E sempre me fez mal fazer alguém sofrer. Então, galera, vamos encarar a coisa toda como um processo orgânico e tudo ficará bem.

Instrução número 2: Não. Me. Enterrem. Em nenhuma hipótese. Tenho pânico de lugares fechados e apertados. Tenho medo do escuro, porque não sei o que tem lá. Acho esquisito enterrar as pessoas. Por favor, me cremem. Se a cremação oficial não for possível, façam uma pira bem bacana e mandem ver um lual em volta. Não tenho nenhuma exigência sobre o que fazer com as cinzas: podem jogar em qualquer vento, que vai ser bom. Melhor voar no vento que ficar presa embaixo da terra.

Instrução número 3: Antes da cremação (óbvio), doem tudo o que ainda estiver em condições de uso. Além da questão humana, ter parte da gente vivendo em outras pessoas não deixa de ser uma forma de eternidade pequenininha. Eu não fumo, bebo pouco, como as coisas certas, faço meus check-ups regularmente. Cuido direitinho da máquina, então é bem possível que as peças estejam em bom estado.

Instrução número 4: Façam uma festa. Adoro meus aniversários, adoro festa de Natal, adoro festa. Então, celebrem minha vida e façam uma festa. É sério!!! Com música boa. Não façam missa de sétimo dia, nem de 30 dias. Façamhappy hour de sétimo dia, sessão de cinema aos 30 dias. Fico muito mais feliz com happy hour e cinema do que com missa de sétimo dia.

Instrução número 5: Não fiquem pedindo aos meus filhos (ou aos meus netos) que parem de chorar. Não digam que eles têm que ser fortes. Deixem que chorem, estejam por perto, lembrem a eles das instruções para ajudar a passar logo. Depois, garantam que participem de todas as festividades.

Instrução número 6: Um acontecimento como a minha morte só rola uma vez na vida. Aproveitem ao máximo, se esbaldem. E depois me deixem voar feliz, que vou procurar outras formas de manter minha eternidade por aí.

(Texto de 2011, originalmente publicado no www.jornalirismo.com.br, um dos meus sites favoritos).

Sofá de mulher magra


Daniela Lepinsk Romio, jornalista, cronista e opositora à ditadura das balanças e calças jeans 40 que parecem 14
Uma das coisas de que ele mais gostava era ficar deitado no sofá da sala. O sofá era fofinho nos lugares certos e tinha braços que nem precisavam de almofada para a gente deitar a cabeça. O assento do meio, um pouco mais afundado que os outros, dava o formato ideal para a soneca durante o jornal. A posição na sala ficara perfeita, depois de muito estudo: deitado, ficava de costas para a claridade da janela, com a cesta de revistas e controles bem à mão. O tecido de algodão azul, já meio desbotado, era confortável no calor e quentinho no inverno.

Uma das coisas que ela mais detestava no apartamento era o sofá velho da sala. O modelo era antiquado, mas sem nenhuma bossa. Fora de moda, como se diz. Os braços, arredondados e fofos, a incomodavam tanto quanto qualquer parte arredondada e fofa que ousasse aparecer em seu próprio corpo. Em tempos de ditadura da magreza, linhas retas eram tudo.

Mas o sofá teimava em ser todo errado. A espuma no assento do meio já estava vencida havia muito, dando a impressão constante de que um hóspede acima do peso (rinoceronte? Elefante-marinho?) acabara de se levantar dali. Mais uma coisa lembrando gordura. E aqueles pés? De madeira, em formato de ânfora grega! Nada podia ser pior. Os seis pés eram seis corpos femininos rechonchudos e voluptuosos a lembrá-la do que aconteceria se ela descuidasse "isso" da dieta ou da academia. Manter seu metro e setenta e cinco de ítalo-brasileira de 33 anos num manequim 38 não era fácil. O tecido azul medonho era só um requinte de crueldade, em meio a tamanha tragédia.

E ele teimava em manter o sofá. Dizia que era o seu canto no apartamento. Onde podia pensar, descansar, resolver palavras cruzadas, assistir a filmes, ouvir música, qualquer coisa. Até sexo já haviam tentado ali, mas ela jamais conseguira se sentir sexy sobre um móvel tão gordo.

Ele viajou por uma semana. Quando entrou em casa novamente, pensou ter errado a porta. Mas o laço e o cartão estavam lá. "Um novo cantinho especial para você", dizia a letra dela no quadradinho de papel sobre aquela aberração quadrada, de braços duros, toda estreita, com revestimento de couro. E branco.

Como é que ele poderia se sentir bem naquele sofá? Já não lhe bastava a mulher, que, a cada ano depois de casada, ficava mais magra, mais reta, mais dura? Agora, seu sofá fofinho e aconchegante se transformara em um sofá de dieta. Um sofá lipado! E de couro. E branco! Como pôr os pés em cima daquele sofá?

Sem seu último elo com aquela casa e com aquela vida, ele se viu sem rumo. Ela chegou e não entendeu o desespero dele. Mais tarde, diria aos amigos que ele parecia ter perdido um parente, não apenas o sofá velho que ela tivera que doar: "Nenhum pregão quis!".

Ele não descansou enquanto não localizou a casa da irmã da faxineira, que ficou feliz em vender de volta, por uma quantia módica, seu recém-ganhado sofá. Vendeu também uma geladeira seminova, pequena, de gente solteira. O sofá e a geladeira foram os primeiros móveis que ele levou para o apartamento novo, em outro prédio, em outro bairro, que ele foi mobiliando sozinho, após longas visitas às lojas de móveis usados. E ele foi feliz de novo.

Ela também tentava ser feliz, em harmonia plena com seu sofá de gente moderna e magra. Mas chorava, às vezes, de saudade, abraçada à velha calçajeans tamanho 44, que ainda guardava escondida no armário e que era sua favorita quando o conhecera, linda e segura de si, num tempo em que era tão jovem, tão inexperiente, tão sábia.

sábado, 28 de abril de 2012

Meu blog

Eu sou Daniela Lepinsk Romio e este é meu blog. Eu que mando. Eu que sei quando vou atualizar. Eu que sei sobre o que vou escrever. Você pode comentar, mas se eu não gostar eu posso tirar!!! Só que não vou fazer isso, porque sou bem mais legal do que pareço...