sábado, 15 de setembro de 2012

Fiz duas cesáreas. E o mundo não acabou.

A próxima pessoa que vier me dizer que o parto normal aumenta o vínculo da mãe com o bebê vai ter que me explicar uma coisa: como pode ser que tantos bebês achados no lixo, em vasos sanitários, enterrados em quintais, abandonados em caixa de sapato, tenham nascido de parto normal? Muitas vezes, em casa? E como explicar o vínculo de quem adota, sem nunca ter parido? Desculpem-me as mais radicais, mas não é o buraco por onde meus filhos saíram que determina o vínculo que tenho com eles. Não dá para generalizar.

Antes de jogar a primeira pedra, espere: sou super favorável ao parto normal, natural, humanizado. Sou mesmo. Minha mãe teve três - e uma única cesariana. Na cesariana, sofreu mais que nos três primeiros partos somados. Mesmo assim, a filha que nasceu de cesárea tem o mesmo nível de neuroses das outras, que nascemos de parto normal. Nenhum trauma ou psicose fora do comum. Já minha outra irmã teve dois filhos, cada um pesando quatro quilos, os dois de parto normal. Normal meeeeesmo, daquele em que tudo evolui certinho, tem dilatação, tem contração, rompe bolsa, o bebê está encaixado, tudo em poucas horas, nota 10. E nem teve doula.



Acho o máximo. Porém, às vezes me incomoda o nível do debate sobre o tema, a mudança de foco do sistema de saúde para a mãe. Gente que olha com ar de superioridade porque você caiu na conversa do médico e desistiu. “Duas circulares de cordão no pescoço? Conversa, não tem perigo nenhum”.

Uma grande defensora do parto doméstico, Caroline Lovell, australiana de 36 anos, morreu em fevereiro deste ano - após um parto feito em casa. Deixou órfãs uma recém-nascida e outra menina de três anos. Fiquei triste por ela e achei injusto o carnaval que a mídia internacional fez a respeito. Afinal, talvez as complicações tivessem matado Lovell mesmo que ela estivesse em um hospital. Talvez não, não sei. Só digo o seguinte: ninguém está isento de riscos. Nem em casa, nem no hospital, nem parindo por via natural, nem por via aberta a bisturi.

Acho um absurdo que grande parte dos obstetras empurre as gestantes para o parto cirúrgico agendado. Acho um absurdo que, em gestações sem maiores riscos, os conselhos de medicina queiram proibir médicos de dar assistência a partos em casa. Mas também acho um saco essa demonização da cesariana, que salva, sim, tantas vidas. Quando repórter, fiz matérias sobre meninas que passaram 18, 20 horas em trabalho de parto no hospital, andando de um lado para outro, sentindo dor - e morreram ou perderam seus bebês, por falta de uma cesariana. Não eram partos normais decentes, humanizados. Era tortura institucionalizada. Nada a ver com os partos naturais com doulas bem pagas ao lado, tudo bem preparadinho, pré-natal em dia.

Meu filho mais velho tinha, sim, duas circulares de cordão, além de vários outros complicadores que, em conjunto, me deixaram com receio. Eu desisti. E já tive que ouvir críticas, "circular não é risco para o bebê". Hello! Duas circulares podem não ser risco para o bebê, mas eu também queria sair inteira do parto. E um descolamento de placenta não estava nos meus planos, não. Já com minha filha mais nova, o problema era só meu: em depressão e sem nenhuma condição emocional de esperar nem de enfrentar o processo todo do parto natural. Talvez até tivesse sido bom para mim - mas talvez fosse desastroso. Conversei muito com meu terapeuta e com minha obstetra e decidimos juntos.

Meus partos – os dois – foram as experiências mais emocionantes da minha vida. No primeiro, eu não tinha ideia do quão perturbador é sentir pela primeira vez o cheiro do seu bebê (isso é tema para outro texto, porque merece). Amamentei meus dois filhos. Vivo o dia-a-dia deles, me desdobro em cuidados, somos uma comunidade muito unida lá em casa. E já tive que aguentar conversas que eram quase uma competição para ver quem teve a melhor experiência, a mais transcendental, a mais emocionante. Oi? Quem quiser perder tempo discutindo comigo alguma coisa sobre vínculo entre mãe e filho, podemos discutir. Mas eu vou ganhar, porque Caio e Alice estarão comigo.

Então, pessoal, vamos combinar uma coisa? Todo mundo apóia as manifestações pelo parto humanizado, mas vamos parar de olhar para as mães ‘de cesárea’ como se fossem de outro planeta - ou como se não tivessem lutado o suficiente por um direito ao qual, talvez, elas nem fizessem tanta questão assim. Essa briga é com os médicos e com o sistema de saúde, não com as outras mães. Vamos ‘empoderar’ as mulheres, mas não só para que comandem o próprio parto - e sim para que o poder esteja com elas sempre: antes, durante e depois.

Daniela Lepinsk Romio é jornalista, cronista e mãe cansada de radicalismos para um lado e para outro. E-mail e pedradas: jornalista.daniela@uol.com.br