quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Todas as idades em mim

Vivem juntas na minha cabeça uma menina de 12 anos e uma senhora de 60. Às vezes a menina assume o controle. Dança, rodopia, canta desafinado. Faz piadas na hora errada, ri quando não deve rir. Tem ideias absurdas e dá soluções criativas para um monte de problemas. Surta quando vê arco-íris, lua cheia ou bicho de nuvem. Vê o mundo como brinquedo, um cubo mágico. Só que, no cubo mágico dela, não é preciso deixar cada cor de um lado. A graça é justamente misturar as cores cada vez mais, em combinações diferentes, da forma que ficar mais bonito.
Às vezes quem comanda é a senhora... aí ela ouve jazz e MPB, lê livros de adulto e deixa de lado as trilogias de mundos fantásticos. Guarda dinheiro na poupança. Acorda cedo, não usa a soneca do despertador, trabalha duro. É intolerante com preconceitos, com discriminação. Lava a louça, arruma o guarda-roupa. Desconfia de quem desperdiça o tempo e a vida, pois tempo é algo que valoriza muito. É ponderada, não fala palavrão, ouve sempre todos os lados e busca soluções factíveis para seus problemas.

Quando a menina assume as rédeas de novo, gasta parte da poupança em sapatos e maquiagens maravilhosas. Corta o cabelo sozinha. Compra um par de botas novas e um anel enorme. Lê livros de criança e se entope de chocolate, brigadeiro e Doritos. Vai à piscina de noite. Toma sol sem protetor e fica ardida. Deixa a gata dormir na cama dela. Deixa a louça na pia. Passa o dia de pijama e pinta as unhas de azul.

O que irrita bastante a senhora. Ela tem muito trabalho indo ao salão para corrigir as barbaridades que a menina fez no cabelo. Tira o azul das unhas e passa nude, muito elegante. Toma suco verde sem açúcar para livrar o corpo das toxinas de tanto Doritos e chocolate. Usa muito protetor solar e mantém os cabelos hidratados e escovados. Mas aprova as ideias que a menina teve para solucionar aquele problema no trabalho. É que a menina é danada de esperta.

Quando ela volta, abandona a escova e usa a cabeleira toda arrepiada de novo. Ouve rock muito alto, mas se emociona com Billie Holiday. Escreve textos sem nexo, joga fora e escreve de novo. A senhora corrige alguns textos, edita, dá sugestões. A menina aceita algumas, outras não. A senhora sorri, mais tolerante com aquela presença barulhenta. A menina se sente tão bem depois de tanto suco verde que vai lá e detona mais uns Doritos. A senhora não se importa.

Leem juntas um livro. As duas se emocionam em passagens diferentes e, às vezes, na mesma passagem... A senhora reza, mesmo sem saber direito no que acredita. A menina, não. Mas ela dança sozinha na sala, no escuro, chorando, e esse é o jeito dela de rezar. A menina tem medos que a senhora não tem mais. Mas também tem coragens que a senhora nunca teria sozinha. Às vezes ela precisa de colo, como toda menina, e a senhora está sempre ali para essas horas também.


Elas têm brigado menos ultimamente. A menina anda um pouco mais doce, enquanto a senhora ficou mais flexível. Bem devagar, vão aprendendo a conviver e a se respeitar. Mas a menina nunca vai crescer e a senhora já nasceu velha. Por isso, o conflito estará sempre lá, para não me deixar cair no comodismo de ter ‘uma certa idade’. Tenho todas, dos 12 aos 60 e mais outras. Mil vezes essa inquietude na mente do que uma vida enquadrada em convenções que nunca vão me comportar.

Daniela Lepinsk Romio, jornalista que faz 36 anos (60+12=72 e 72/2=36, bem na média!) dia 04 de março e está feliz da vida porque adora fazer aniversário.

2 comentários:

  1. Lindas, Daniela, a menina e a senhora que vivem em você, adoro as duas. Gosto do que você escreve, e como escreve, desde que a conheci por meio do Ivens, no lançamento do livro dele, de longe pelo face, estarei sempre passando por aqui, um beijo grande, e felicidades pelo dia de amanhã. Cirilo.

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