quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Eu sou bicho, sou força da natureza

Então meu filho nasceu. Enquanto alguém me suturava, ele foi levado para outra sala. Demorou e demorou mais um pouco. E de repente a médica trouxe o pacotinho, aquele rostinho bonito, dormindo.

Abre parênteses: tenho fotos para provar que Caio nasceu lindo. Não tinha cara de joelho. Nasceu um pouco antes do previsto, então não ficou encaixado e apertado entre meus ossos pélvicos, por isso a carinha sem inchaço, a cabeça redondinha, uma criança de filme. Fecha parênteses.  

A médica trouxe o Caio para perto do meu rosto. E aí eu me encostei e cheirei a cabeça dele...  
E o mundo parou. Ninguém tinha me avisado do impacto que é o cheiro do filho da gente. Não dá para descrever, mas é uma sensação completamente animal. Eu ainda visualizo o caminho que aquele cheiro quente e meio doce percorreu das minhas narinas até o meu cérebro e pelo meu corpo inteiro, ficando gravado para sempre. Reconheceria o cheiro do meu bebê em qualquer lugar do mundo.  

Naqueles segundos eu me descobri bicho. Animal. Irracional. Forte. Poderosa. Brava. Só instinto. E foi muito bom! Ali eu sabia que amaria aquela criaturazinha acima de qualquer outra. Que cuidaria. Defenderia. Educaria. Mataria em sua defesa. Morreria em sua defesa.  

Antes que você torça o nariz: ele não estava com cheiro de sangue, nem de placenta, nem dos líquidos todos que envolvem um recém-nascido. Meu filho nasceu com agenesia da mão esquerda e, por isso, foi levado às pressas antes que eu o visse. Foi examinado primeiro e,quando chegou ao meu colo, já estava todo limpinho. Também não era cheiro de sabonete, porque ele não foi lavado com sabonete.   

Era simplesmente o cheiro dele, que eu busquei depois durante anos a cada vez que ele passava perto de mim. A cada vez que eu enterrava meu nariz nos cachinhos castanhos do meu leão, sempre identificava o mesmo cheiro, por baixo de qualquer outra coisa: sabonete, shampoo, creminho, bala, chocolate, terra, leite, ou outros odores menos agradáveis.


Aí nasceu Alice. E foi igualzinho. Só que eu já sabia. Estava preparada. Pude antecipar, apreciar a espera e esvaziar bem os pulmões antes de cheirar pela primeira vez a cabecinha loira, o rosto amassadinho e inchado da minha passarinha. Não me canso de cheirar aquela menina querida, o tempo todo que passo com ela.  

O mais curioso é que o cheiro do Caio mudou completamente, agora que ele é um adolescente. Claro que ainda o abraço, e muito, mesmo que esteja saindo da Educação Física. Mas prefiro quando sai do banho e se borrifa com os boticários da vida... Sou uma força da natureza – e a natureza sabe das coisas. Ele agora está se transformando em um homem – o cheiro de filhote não existe mais. Ele não precisa mais de tanta proteção, de tanto apoio para tudo.  

Mas eu ainda morreria – e, sem dúvida nenhuma, mataria – por ele. Sou um bicho.  

Daniela Lepinsk Romio é cronista, jornalista e animal. E-mail: jornalista.daniela@uol.com.br

Um comentário: