domingo, 5 de agosto de 2012

Sobre dor, afeto e um peixinho vermelho

O peixe apareceu sem ser convidado. Veio em um aquário redondinho, com pedras azuis no fundo. Ter um peixe fazia parte de um projeto da escola do meu filho, 5 anos, bochechas rosadas e a cara mais feliz do mundo, cheio de excitação com a propriedade, finalmente, de um bicho vivo. Criança de apartamento é isso mesmo. Sabia de cor todas as instruções: três bolinhas de comida uma vez por dia, trocar a água semanalmente, não colocar água da torneira sem deixar descansar antes para baixar o cloro, não lavar o aquário com sabão.



O peixe ganhou um nome: Tico. Na verdade, não gostei muito. Para mim, peixe tem que ter nome de gente e com pelo menos três sílabas. Ulisses, Homero, Godofredo, Dagoberto. Mas tudo bem: o peixe não era meu, era do meu filho.

O fato é que eu fui desenvolvendo uma certa relação de afetividade com o peixinho vermelho. Achava muito estranho passar ao lado do aquário, sabendo que um ser vivo estava ali dentro, e não cumprimentar. Pois é, comecei a falar com o peixe. E acho que ele passou a gostar de mim também, pois normalmente a minha presença estava diretamente relacionada às bolinhas de ração. Que rapidamente aumentaram - duas porções diárias de cinco bolinhas. Ninguém merece comer uma só vez por dia.

O peixe nunca demonstrou muito brilhantismo. Às vezes, demorava séculos para encontrar as bolinhas na superfície. Nas trocas de água semanais, nunca aprendeu que a peneirinha não ia fazer nenhum mal - dava voltas e voltas no aquário, fugindo de mim e ouvindo meus palavrões. Eu cheguei à conclusão de que ele não era muito normal.

Um ano depois de chegar, o peixe ficou doente. Um dos olhos inchou. Comprei três tipos diferentes de remédio, que custaram mais que o preço de um peixe novo. Tratei durante quase dez dias, fracionando dosagens e pingando coisas estranhas na água - que, ora ficava azul, ora amarela. Ele foi ficando quietinho, não queria mais comer, nadava com lentidão. E morreu. Depois de uma tarde mais sofrida, ficou lá parado, no fundo do aquário, de lado. Eu chorei. Fiquei triste, esperando que ele soubesse que eu não falava a sério quando dizia que ele não era normal.

Meu filho, de férias na casa da avó, demorou mais para ficar sabendo. O que não reduziu o tamanho do desastre, pois tive um momento de cretinice e contei para ele, por telefone. Ele parecia tão adulto, achei que fosse mais fácil ficar sabendo logo. Mas o moleque ficou arrasado, chorou e soluçou um tempão. Disse que eu deveria ter deixado o peixe morto no aquário, para que ele pensasse que o amiguinho estava só dormindo.

Na verdade, quase todo mundo que conheço apoiava minha primeira idéia: comprar um peixe novo, da mesma cor, substituir o Tico e não deixar que meu filho soubesse. Ponto final. Mas eu não consegui. O peixe era um projeto dele, mas se tornou uma partezinha do meu dia-a-dia, e a gente é responsável pelo que cativa etc, etc. Não era um peixe qualquer. Era um peixe que tinha cativado gente.

Daniela Lepinsk Romio, cronista, mãe do Caio e da Alice - e da Cacau também, uma gata (porque esse negócio de aquário é muito frustrante).

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